APETEBI – IKOFA – CONSAGRAÇÃO DA MULHER EM IFÁ

A Consagração em IFÁ para as mulheres é chamada liturgicamente de IKOFA FUN, tendo como objetivo iniciá-la nos mistérios do Culto ao Orixá Orunmilá (Orixá da PREDESTINAÇÃO) através do sistema de IFÁ, que possibilita desvendar o Odú pessoal (registro da existência humana).

IKOFA FUN em poucas palavras significa autoconhecimento, respostas da própria existência. A base da metodologia litúrgica e mitológica do IKOFA FUN encontra-se registrada para nós no Odú Ifá ODI MEJI.

Em ODI MEJI, resumindo, conta que Oxum engravidou de Orunmilá enquanto era cortejada por Ikú (a morte) e para salvar seu filho, seduz Ikú (a morte) recebendo dele dois Ikins (amuleto da vida) que pertenciam a Oduduwá (Pai da humanidade) e com auxílio de Orunmilá que os utilizou consagrando Oxum nos mistérios de Ifá através do IKOFA, adquirindo Oxum a partir de então o poder de transcender a morte através da virtude de gerar a vida.

Esta é a razão pela qual as mulheres recebem nesta consagração um ou dois Ikins (semente de dendê) que representam entre outras coisas o poder que a mulher possui em nutrir a vida, a fertilidade, em um contexto amplo, a maternidade, a identidade da mulher no sentido biológico e espiritual. A quantidade está relacionada liturgicamente de forma simbólica, aos gêneros humanos, ao aparelho reprodutor feminino, a liberação dos óvulos pelo ovário, ou seja, a identificação espiritual do gênero feminino através dos Ikins.

Diante dos fatos narrados acima fica claro que não é a quantidade de Ikins e sim seu significado, até porque, um cromossomo a mais no DNA humano por exemplo, formará um ser anômalo, portanto, uma quantidade a mais de Ikins no Ifá da Apetebi irá alterar sua essência espiritual, perdendo seu significado litúrgico ancestral.

Em algumas poucas exceções a Apetebi recebe mais de dois Ikins e caso o Odú seja Meji se entregam dois Ikins, do contrário somente um.

Os homens recebem 19 Ikins associados ao gênero masculino por representarem os espermatozoides, matéria-prima biológica que permite a reprodução através da fecundação. Esse conjunto de Ikins é chamado também de um jogo menor de Ikins ou, uma mão de Ifá que se completará caso este neófito torne-se um Babalawó no futuro.  

Dentro de nossa tradição a mulher iniciada é chamada de Apetebi (a protegida), já que a mesma passa por rituais de consagração dentro do Igbodu (santuário de Ifá) estabelecendo sua união espiritual com Orixá Orunmilá no momento de sua iniciação. Na consagração, tanto os homens quanto as mulheres recebem Elegbara, Ogun, Oxóssi, Ozun e Orunmilá.

O conceito do IKOFA (iniciação da mulher em Ifá) se estrutura mitologicamente e ritualisticamente na união de Oxum com Orunmilá, já que Oxum foi a primeira mulher a receber o poder de Ifá.  A futura iniciada segue os mesmos passos e por esta razão é necessário que os dois Ikins da Apetebi (caroço de dendê) se misturem aos Ikins de Orunmilá de seu Oluwó Siwajú na hora de tirar o Odú de nascimento para que de fato essa união no campo espiritual possa se estabelecer.

Nessa consagração a nova Apetebi representa o recém-nascido, Oxum o útero e Orunmilá o axé e a semente. Portanto, o Oluwó Siwajú no sentido religioso ocupa a posição paterna.

Atualmente, existem diferenças entre o Ifá que se estabeleceu em Cuba há 300 anos, com o Ifá na atual Nigéria. Entre as diferenças está a iniciação da mulher em Ifá. Não quero estabelecer comparações entre o que é melhor ou pior, até porque vale lembrar que se existem divergências litúrgicas relevantes entre os próprios Yorubás que cultuam Ifá em todo território Yorubá na atualidade e mesmo assim respeitam as diferenças entre eles, por que não respeitar uma tradição que foi levada à Cuba por verdadeiros Yorubás há mais de 300 anos atrás?

Na Nigéria a mulher não passa por nenhum cerimonial para se tornar Apetebi, basta conviver em matrimônio com um Babalawó e isso é o suficiente para ser tratada como tal.  Nesse caso eu concordo quando eles dizem que para eles Apetebi não é iniciação, até porque não é. Para nós é, porque de fato passam por consagrações, para eles iniciação seria o que chamam de Itefá, uma consagração que seria então equivalente ao que passam as nossas Apetebis no IKOFA.

Em nossa tradição, uma mulher pode ser casada com o maior Babalawó, entretanto, se ela não for devidamente consagrada não será uma Apetebi.

Apetebi para nós é uma consagração que une a mulher à espiritualidade de Orunmilá e não uma relação matrimonial, a iniciada nesse caso se torna Apetebi da divindade Orunmilá e não do esposo. 

Na Tradição Yorubá preservada em Cuba, a esposa de um Babalawó chama-se Apetebi Iyafa, após ser submetida a um ritual para tal, é quando ela recebe como se fosse uma joia de casamento os 16 Ikins.

Temos registros históricos e antropológicos que comprovam que a forma com que iniciamos a mulher em Ifá pela Tradição Afro-Cubana existiu há dois séculos atrás na Nigéria. Não posso afirmar que era a única, mas foi esse o método adotado em Cuba pelos Yorubás principalmente no século XVII e devemos seguir e respeitar nossas tradições da forma que herdamos.

Está claro que a nossa forma de iniciação das mulheres se perdeu na Nigéria, portanto não há o que se resgatar, não há o que interagir nesse sentido, temos uma lacuna de mais de 300 anos sem falar no processo de aculturação, influências locais e as transformações que sofrem alguns elementos na mudança das gerações que ocorreram em ambos os povos. E, se caso existisse algo a ser resgatado, em qual região seria o correto? Oyó? Benin? Ifé? Não tem sentido.

Eu se tivesse que me iniciar na Tradição de Ifá Afro-Cubana, o faria cem vezes até em cima de um pé de coco, não porque eu julgue que minha tradição seja a melhor, mas sim por ter Orgulho em pertencer a ela com suas virtudes e suas possíveis diferenças.

Devemos sim nos respeitar até porque somos brasileiros, não somos cubanos nem africanos, vivemos nossos conflitos sociais e políticos, devemos nos unir enquanto um povo para lutar por nossos direitos respeitando cada um a escolha do outro.

Disse Ifá Ogbe Fun: “Respeite para ser respeitado”.

A harmonia, a paz são riquezas que só podem ser adquiridas através do respeito ao próximo. Queres paz? Respeite!

Oluwó Siwajú Evandro Otura Aira Ifá Ni L’Órun