A recente decisão do juiz Eugenio Rosa de Araújo preconizando que os cultos afro-brasileiros não são religião denotam racismo, preconceito e intolerância religiosa. Segundo o parecer do juiz os cultos afro-brasileiros “não constituem religião”, pois não se baseiam em apenas um livro nem têm apenas um Deus. Ou seja, estamos diante de um magistrado absolutamente despreparado para emitir tal parecer antes de tudo, por não conhecer minimamente a matéria sobre a qual resolveu julgar.
Independente de tudo que já foi dito pelas várias organizações da sociedade civil, casas religiosas, militantes e intelectuais, nós, como sacerdotes do Culto de Ifá, entendemos que é importante nos manifestarmos e marcarmos uma posição neste debate pois, antes de tudo, sabemos que todo o culto de matriz Yorubá nasce e se desenvolve a partir da raíz de Ifá.
O Culto de Ifá, surgido no antigo Egito e formatado na região conhecida como Yorubalândia (que compreendia partes do Togo, Benin e Nigéria), estabelece Olodumaré como único Deus e Supremo Criador de absolutamente tudo que existe, tudo que é visível e tudo que não podemos ver. Portanto, a concepção Yorubana traz, sim, a concepção firme de que tudo nasce de Olodumaré e os Orixás, tais como os conhecemos seriam manifestações deste Deus Supremo.
O juiz alega ainda que as tradições de origem africana não têm estrutura hierárquica. Ledo engano de quem, realmente, jamais se deu ao trabalho de numa simples busca na web procurar conhecer minimamente a estrutura de nossas tradições. Ifá permeia todo o imaginário religioso das tradições de matrizes africanas uma vez que tudo é registrado em Ifá e por ele é explicado. Neste sentido, devemos pensar que todo e qualquer culto de origem africana advém de Ifá e a estrutura hierárquica que Ifá estabelece é a seguida tanto pelo Candomblé, quanto pela Umbanda, entendendo-se que estruturalmente o papel de zelar e cuidar de Orixá surge em Ifá e se submete às suas regras.
Por fim, alega o magistrado que não há um livro base tal como a Bíblia e o Alcorão para constituir os cultos afro-brasileiros como segmento religioso. Ou seja, o juiz volta à idade média e não reconhece nada além das duas maiores tradições monoteístas da terra e, nesta perspectiva, toda e qualquer outra tradição estaria fora do padrão “religioso” que este juiz estabelece a seu bel prazer.
Fato concreto, podemos afirmar que Ifá, por ser a tradição religiosa mais antiga do mundo tem uma série de tratados e documentos que ao longo dos séculos foram cada vez mais refinados até chegarmos ao estágio atual onde as Escrituras de Ifá servem como guias de norma e conduta e justificam a existência de toda a nossa tradição religiosa.
Portanto, por mais que se queira, por racismo, preconceito e intolerância religiosa, descredibilizar os cultos afro-brasileiros, o fato é que nossas tradições estão vivas em todos os continentes, em todos os países do mundo, muitas vezes perdidos na África, outras vezes preservados na Diáspora. Renegar este fato é, como já foi dito, fruto de uma visão estreita e preconceituosa que busca fazer regredir toda uma legislação e concepção jurídica do país quanto a este tema.
Entendemos que em muito pouco tempo a decisão do juiz será revogada, no entanto, percebemos como vital pontuar que nossas tradições religiosas têm base, têm história, têm estrutura, têm documentos e, antes de tudo, tem uma solidez que a escravidão não conseguiu acabar, que o colonialismo não conseguiu acabar, que os ataques cristãos e muçulmanos não conseguem acabar e não será uma decisão, de um simples magistrado de 1ª Instância que fará acabar.
Iboru, Iboya, Ibosheshe!
Babalawo Evandro Luiz de Carvalho Otura Aira Ifá Ni L’Órun
Babalawo Marcio Alexandre M. Gualberto Ogbe Ate Ifá Irawo